domingo, 1 de agosto de 2010

PROPOSTA PEDAGOGICA

Proposta Pedagógica




Introdução.



Este documento propõe-se a clarificar os princípios pedagógicos subjacentes ao

Programa Escola Aberta: Educação, Cultura, Esporte e Trabalho para a Juventude, criado

pela RESOLUÇÃO/CD/FNDE/N.º052, DE 25 DE OUTUBRO DE 2004.

A referida resolução leva em consideração “a importância de se ampliar o escopo das

atividades da escola para promover a melhoria da qualidade da educação no país, de se

promover maior diálogo, cooperação e participação entre os alunos, pais e equipes de

profissionais que atuam nas escolas e a necessidade de redução da violência e da

vulnerabilidade socioeconômica nas comunidades escolares”.

Ao lado disso, ressaltem-se o objetivo geral e os objetivos específicos do programa,

assim colocados:



_ Objetivo geral:

Contribuir para a melhoria da qualidade da educação, a inclusão social e a construção de

uma cultura de paz.



_ Objetivos específicos:

Promover e ampliar a integração entre escola e comunidade

Ampliar as oportunidades de acesso a espaços de promoção da cidadania

Contribuir para a redução das violências na comunidade escolar

Espera-se, portanto, que o programa terá como resultados o fortalecimento da relação

entre a escola e a comunidade escolar, bem como a ampliação das oportunidades de acesso a

espaços de promoção da cidadania.

É necessário explicitar que a expressão “comunidade escolar” aqui referida tem o

sentido atribuído pela literatura educacional; inclui, portanto, diretores, coordenadores,

professores, assistentes educacionais, pais, alunos e comunidade onde a escola está inserida.

Assim, embora os profissionais da escola não sejam obrigados a participar das atividades

que se desenvolvem durante os finais de semana, abre-se a possibilidade de aproximação

entre o cotidiano da escola e a vida da comunidade, transformando o espaço físico da escola

em local de convivência e aprendizagem para as famílias que habitam o bairro em que a

escola se encontra.

Quanto à expressão “qualidade da educação”, entende-se aqui não como aumento da

maturidade intelectual desenvolvida a partir da aprendizagem de conhecimentos específicos

– científicos. A qualidade de educação aqui será entendida de forma mais ampla, como

formação para a cidadania, encontrando respaldo na literatura científica e legislação.

Uma outra expressão a ser mencionada é “cidadania”, entendida aqui como objetivo

geral (legal e teórico) da educação básica e resultado de acesso a diversas políticas públicas

– relativas a direitos sociais – que carecem de espaço para sua oportunização. A escola pode.tornar-se, assim, espaço para o desenvolvimento de ações sociais comunitárias, de realização

de atividades que valorizem a cultura local e atendam a necessidades da comunidade.

Também se faz necessário esclarecer que a utilização do plural para a palavra

“violência” refere-se ao fato de que o programa não tem a pretensão de obter a redução da

violência urbana em sentido amplo mas, sim, resultados no que se refere a algumas

violências ocorridas no ambiente em que as atividades são desenvolvidas: depredação da

escola; furto, violência física e verbal, além de outras. O programa pode contribuir para a

ressignificação da escola pela comunidade e para a construção do pertencimento por alguns

alunos, mais especificamente, para grupos de alunos diretamente ligados a fenômenos de

violência escolar como reação ao fracasso na aprendizagem e à violência simbólica exercida

pela escola.

Definiram-se, para a consecução dos objetivos, os tipos de oficinas abaixo

explicitados em linhas gerais:

1. Oficinas planejadas a partir da pesquisa que o coordenador escolar realizará na

comunidade, identificando os interesses e necessidades dos moradores. As

oficinas podem ser de diversas áreas como cultura/artes, esporte e lazer,

comunicação, saúde, informática, trabalho e outras (reforço escolar, idiomas,

conteúdos variados).

2. Oficinas fomentadas pelo MEC, com o objetivo de contribuir para o

reconhecimento e a valorização da diversidade cultural nacional, o enfrentamento

da discriminação e do preconceito, o desenvolvimento da cidadania e do

protagonismo juvenil. Serão realizadas , entre outras e sempre que possível,

oficinas de direitos humanos e cidadania, diversidade e leituração.

Dessa forma, o Programa Escola Aberta busca contribuir para a construção da

cidadania consciente, responsável e participante, favorecendo a inclusão sociocultural

(particularmente do jovem estudante da educação básica das escolas públicas), a diminuição

da violência e da vulnerabilidade socioeconômica e, por extensão, a promoção da paz e da

melhoria da qualidade de vida da população. Pretende, ainda, transformar a escola em um

ambiente mais atuante e presente na vida dos jovens e suas comunidades, promovendo

maior diálogo, cooperação e participação entre os alunos, pais e equipes de profissionais que

atuam nas escolas, além de contribuir para a complementação de renda das famílias.

Aspectos pedagógicos.Inicialmente abordados os objetivos do programa e os conceitos neles registrados, o

documento prossegue buscando explicitar os eixos estruturantes e os princípios da linha

pedagógica do Programa Escola Aberta. Essa explicitação considera que as oficinas são,

mais que momentos de apropriação de saberes, oportunidades para educar, para promover

reflexões sobre valores importantes para a convivência tão perpassada por diferenças nem

sempre bem administradas pelos grupos sociais.

Definir a linha pedagógica e os eixos estruturantes do Programa Escola Aberta

implica refletir sobre os objetivos e a intencionalidade político-pedagógica da ação

educativa social proposta. Não fazê-lo pode significar a permanência no âmbito do

pensamento espontâneo e do saber fazer desprovido de reflexão, impedindo a articulação da

prática com a teoria que lhe garante o sentido.

O programa busca contribuir para a formação da cidadania e a paz social, mediante a

inclusão e a formação profissional inicial dos jovens e de outras pessoas moradoras das

comunidades em situação de vulnerabilidade. Embora não garanta a colocação no mercado

de trabalho, o desenvolvimento de uma habilidade contribui para a construção de uma

imagem positiva de si e aumenta as chances de obtenção de um complemento da renda

familiar. Perceber-se como cidadão detentor de valor, capaz de contribuir para a sociedade,

de apropriar-se de um saber profissional e de prover o próprio sustento, promove o

desenvolvimento da auto-estima dos indivíduos, oferecendo alternativas à delinqüência e à

transgressão das normas de uma sociedade da qual se sentem excluídos.

Ao lado disso, a proposta permite que seja feito um aporte da tese da

“desescolarização” da sociedade, no sentido de se valorizar os saberes da comunidade e o

reconhecimento de que a aprendizagem ocorre freqüentemente nas trocas sociais, de

maneira informal, assistemática, no tempo de lazer que é o tempo propício à criatividade.

Estão implícitas a denúncia da burocratização das relações sociais e das deficiências da

escola e a busca de superar-se a concepção segundo a qual só a escola ensina, só o que se

aprende na escola (de maneira formal) é válido para a vida. Ivan Illich (1973) afirmou que a

educação só seria democrática se realizada fora da escola, por meio da disponibilização a

todas as pessoas, de espaços como bibliotecas, laboratórios, jardins botânicos bem como de

máquinas,computadores, entre outros recursos. Além disso, o autor propunha o fim daquilo

que ele denominou monopólio profissional, garantindo a qualquer pessoa o direito de

ensinar ou exercer o talento conforme a necessidade da sociedade. Preconizou a substituição

da escola por “redes espontâneas de ensinar-e-aprender” e apresentou um convite a “que

desapareçam o professor perito, a avaliação, a diretividade, o diploma, a presença

obrigatória, os pré-requisitos de entrada, os programas pré-estabelecidos...”. Conforme

Libâneo (1985), seguindo a linha dessa proposta, no Brasil, na década de 80, o escritor

Miguel Arroyo Gonzales criticou o esforço para escolarizar os trabalhadores, dizendo que a

mensagem implícita era “não há salvação fora da escola”..Entretanto, a tese da desescolarização carece de uma análise mais profunda da

função da escola na vida das classes populares. Para Gramsci apud Mochcovitch (1988),

intelectual e ativista político italiano, o ser humano necessita da educação para ser livre; essa

libertação (intelectual, moral e social) significa a superação da divisão da sociedade em

classes sociais antagônicas e se efetiva a partir do acesso aos conhecimentos historicamente

produzidos e acumulados e da formação do indivíduo como sujeito de seu próprio destino

histórico. A escola, então, é o local em que devem se articular o saber e o fazer, a produção

intelectual e o saber advindo do ambiente social;_ lugar, portanto, em que se questiona

criticamente os modos de pensar, agir, sentir e atuar .

Gramsci considerou que a cultura de massa é ambivalente, apresentando-se, a um só

tempo, como elo saudável entre as pessoas e risco de visão fragmentada de mundo. Embora

reconheça que a função pedagógica não é exercida apenas pela escola__ mas também pela

família, pelas instituições culturais, por associações diversas e pela mídia, o filósofo italiano

considerou que_ o sentido pedagógico se faz mais evidente na escola e que esta deve ser

contextualizada à dinamicidade econômica, social, cultural e histórica da sociedade. A

escola é, portanto, a um só tempo, lugar de ensino e difusão do conhecimento, instrumento

para o acesso das camadas populares ao saber elaborado e meio educativo de socialização no

mundo social adulto.

Não se pretende, com a apresentação desses argumentos, afirmar que o Programa

Escola Aberta tenha cunho eminentemente pedagógico, que interfira diretamente no

processo de ensino e aprendizagem que ocorre nas aulas regulares das escolas públicas, uma

vez que as oficinas são realizadas nos finais de semana, os coordenadores escolares são

pessoas ligadas à comunidade, os participantes das oficinas nem sempre são alunos da

escola e que os chamados “oficineiros” não são, obrigatoriamente, professores. Entretanto, o

programa contribui para uma ressignificação do espaço escolar e para o enriquecimento da

concepção de escola elaborada pelos sujeitos envolvidos quando abre suas portas à

comunidade no final de semana para atividades que não sejam necessariamente vinculadas

às disciplinas, possibilitando aos professores e alunos vivenciar o ambiente escolar de uma

forma mais livre das imposições curriculares e valorizando as características culturais e as

demandas da comunidade. A escola tem a oportunidade de atualizar, assim, a sua

potencialidade como lugar da alegria cultural, como propunha George Snyders (1988): a

alegria que resulta do contato com as realidades da sociedade, do ser humano e do universo,

da construção da solidariedade por meio do acesso à cultura elaborada em sua relação

dialética com a cultura de massa. Assim, a proposta do programa não prescinde do espaço

em que se dá a instrução institucionalizada que estimula o desenvolvimento a partir da

construção coletiva do conhecimento, mediada pelos instrumentos resultantes da história

humana. Reconhece, entretanto, o valor das trocas sociais para a construção do

conhecimento, o que precede e extrapola as paredes escolares.

A partir da leitura de Vygotsky (1984) depreende-se que o patrimônio material e

simbólico da humanidade consiste no conjunto de valores, conhecimentos, sistemas de

representação, construtos materiais, técnicas, formas de pensar e de se comportar que a

humanidade construiu ao longo de sua história. Nesse sentido, a proposta do Programa

Escola Aberta de valorizar os talentos locais das comunidades envolvidas, trazendo-os para

o espaço escolar e disponibilizando-os para os moradores do lugar, expressa respeito pela

heterogeneidade, pela diversidade presente em qualquer grupo humano, amalgamando.diversas histórias pessoais, diferentes níveis de conhecimento, experiências profissionais e

valores.

Um outro aspecto do programa é a relação com a questão dos direitos humanos.

Longe de ter a pretensão de solucionar problemas estruturais do país, busca-se contribuir

para que as pessoas envolvidas nas ações do programa percebam-se como sujeito de direitos,

requisito do exercício da cidadania. Pressupõe-se que a apropriação do espaço escolar pela

comunidade e a abordagem de temas variados, relacionados à realidade concreta do

cotidiano, promovam uma postura de valorização da própria identidade, de defesa dos

direitos conferidos pela ordem jurídica vigente e do desejo de participação na busca de

criação de novos mecanismos que contemplem direitos ainda não considerados. A escola,

espaço sociopolítico, é o ambiente adequado para a transformação da convivência em

prática de direitos, onde cada um se valorize e respeite o outro.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos preconiza, em seu artigo XXVI, que

“A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e

grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da

manutenção da paz.” Além disso, no artigo XXVII, afirma que “Toda pessoa tem o direito

de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do

processo científico e de seus benefícios”. As atividades do Programa Escola Aberta estão em

consonância com esses ideais, uma vez que acolhem as expressões da comunidade,

estimulando a convivência pacífica, a aceitação do outro com suas características, além de

promover a socialização do conhecimento e dos valores culturais.

A partir do acima exposto, há a percepção de grandes temas que, dado o seu caráter

transversal em relação às áreas de atuação do programa, constituem a proposta dos seguintes

eixos estruturantes:

_ Educação

_ Cidadania

_ Inclusão social

Assim, a proposta que aqui se apresenta é fundamentada nas seguintes considerações:

1. Educação:

O programa tem como aspectos preponderantes questões sociais. Entretanto, e até

mesmo por isso, a intencionalidade educativa necessariamente está presente na proposta,

pois não se concebe como ação suficiente apenas retirar os jovens das ruas e oferecer-lhes

atividades variadas sem relacioná-las ao contexto sociopolítico e econômico em que eles se

encontram e às situações concretas das experiências que eles vivenciam e sem promover

uma reflexão sobre os valores que adotam. Reduzir a educação à escolarização corresponde

a ignorar que ela está presente nas expressões culturais e sociais dos grupos humanos.

As oficinas realizadas nas escolas podem pertencer a áreas diversas como cultura,

artes, esporte, lazer, saúde, comunicação, informática, entre outras. Além disso, podem ter

objetivos de formar para o trabalho, recrear e entreter, informar e ensinar. É inegável que

ocupar os jovens com tais atividades, evitando o ócio mal empregado, colabora para a

redução da delinqüência juvenil. Entretanto, realizá-las como meras atividades para

preenchimento de tempo dos jovens é perder uma grande oportunidade: a de intervir de

maneira concreta na qualidade das reflexões e interações sociais das comunidades

envolvidas, por meio da transformação dos hábitos de convivência..Educar é uma ação muito mais abrangente do que ensinar, do que transmitir

conhecimentos; envolve reflexão sobre os valores implícitos no conhecimento construído e

nas atitudes adotadas. Conforme a LDB, Art. 1º , “A educação abrange os processos

formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas

instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil

e nas manifestações culturais.” Portanto, o Programa Escola Aberta, ao permitir à

comunidade o acesso às dependências escolares para a realização de variadas atividades,

busca aproximar as instâncias formadoras dos jovens, contribuindo para a construção de

vínculos que venham a se traduzir em participação na vida escolar diária, para além dos

finais de semana.

Para a consecução dessa proposta, faz-se necessária a definição de princípios educativos

norteadores da escolha das oficinas e da abordagem dos seus conteúdos. Assim, as oficinas

serão, ao mesmo tempo, momentos propícios ao desenvolvimento de habilidades e

oportunidades para reflexão, à luz da ética, sobre a diversidade de valores e comportamentos

presentes nos grupos humanos.

Aqui é oportuno lembrar que o MEC já propôs a discussão dos temas transversais, todos

de cunho ético-moral-valorativo. A proposta pedagógica aqui colocada elege, dentre os

temas, alguns princípios cujo sentido estão mais vinculados às características do programa.

Não se trata de impor às escolas e comunidades a definição das oficinas; elas devem ser

fruto das necessidades e interesses das comunidades, com exceção daquelas oferecidas pelas

equipes das secretarias de educação. Também não se espera que os oficineiros tenham,

necessariamente, uma postura de profissionais da educação; entretanto, como agentes

formadores, orientados pelos coordenadores escolares e temáticos, eles podem incluir os

temas transversais em suas abordagens sempre que as características específicas das oficinas

permitirem. Além disso, é vital que coordenadores escolares e oficineiros, ao definirem as

oficinas, planejem a ação de forma a contemplar a intencionalidade educativa.

Dessa forma, se a comunidade solicita, por exemplo, oficina de uma dança regional cuja

sensualidade seja flagrante, pode-se aproveitar o momento para abordar temas como

sexualidade, respeito a si e ao outro, prevenção de doenças sexualmente transmissíveis,

entre outros.

Estará contemplado, assim, o aspecto educativo presente em todas as atividades do

programa.

2. Cidadania: _

Numa sociedade de classes, falar em cultura da paz só faz sentido quando se assume que

a violência tem origem na desigualdade social decorrente da má distribuição de renda, que

submete a classe popular à marginalização, à exclusão. Assim, o programa, que se

pretende transformar em política pública, deve ter como norte a promoção da cidadania.

A instituição-escola, ao invés de funcionar como instrumento reprodutor da realidade

em que predominam os interesses hegemônicos como verdades universais e absolutas,

precisa oferecer espaço para a reflexão crítica e a criatividade, a fim de contribuir para a

construção e a reconstrução da realidade por meio da redistribuição: das riquezas, dos

saberes historicamente construídos e, conseqüentemente, dos acessos.

Nesse espaço privilegiado que é a escola, por meio das ações desenvolvidas, nos moldes

de oficinas, nas diversas áreas do conhecimento, o programa busca possibilitar o debate e o

diálogo que são os caminhos que levam à consciência crítica, ética, política, de identidade.coletiva e individual, centrando o trabalho no processo de conquista e organização da

cidadania.

As oficinas de esporte, por exemplo, são mais do que trabalhar regras e técnicas

desportivas, habilidades físicas e lazer. Configuram-se espaços de discussão quanto à

postura ética, ao senso de equipe, ao respeito ao adversário e demais temas afins.

Dessa mesma forma, as oficinas de formação inicial para o trabalho, também são mais

do que circunstâncias adequadas à aprendizagem e ao aprimoramento de um ofício,

tornando-se oportunidades de reflexão a respeito das relações sociais e de âmbito

profissional, dos direitos e deveres legalmente instituídos, das perspectivas profissionais e

inúmeras outras questões.

Ainda, a título exemplificativo, as oficinas culturais das mais diversas linguagens (teatro,

dança, pintura) são mais do que acesso a determinada expressão, são possibilidades de

estabelecimento de relação dialógica entre o erudito e o popular; mais ainda, de

desmistificação do erudito e universal e de resgate e valorização do popular e local.

Também são dignas de menção as oficinas de leituração, ao estimular e consolidar o

hábito da leitura a partir do letramento de jovens e adultos, bem como as de direitos

humanos e cidadania, ao propor a reflexão e a vivência da cultura da paz, da mediação de

conflitos, da mobilização social e do fortalecimento da capacidade de organização das

juventudes.

O exercício de cidadania proposto pelo Programa Escola Aberta passa, então, pela

democratização do espaço público que é a escola, pela relação de pertencimento que se

estabelece entre a comunidade e a instituição, estimulando a participação na escolha de

novas oficinas, bem como pela ressignificação do espaço escolar que possibilita o encontro

entre o saber formal e o informal e passa a abrigar diversas formas de expressão e de

convivência.

3. Inclusão social:

O conceito de inclusão social relaciona-se ao acesso de todos aos benefícios que a

sociedade puder oferecer. Baseia-se no respeito às diferenças, no exercício da cidadania e na

dignidade humana. Portanto, refere-se a questões como igualdade de acesso a bens,

tecnologias, informações e serviços existentes na sociedade, bem como valorização das

expressões culturais das comunidades, liberdade de credo religioso, respeito à diversidade

de raça, gênero e orientação sexual. É a partir do princípio do respeito à diversidade que se

firma o conceito de inclusão social.

Ainda há no Brasil um grande número de pessoas sem acesso à educação escolar.

Além disso, ainda não é universalizado, em nosso país, o acesso aos espaços sociais nos

quais se socializa e se cria o conhecimento.

O Programa Escola Aberta, consciente de que o sistema educacional brasileiro reflete

as desigualdades sociais, propõe que a escola seja o lócus de conjunção das diferenças

presentes nas comunidades, buscando atender os grupos sociais conforme seus interesses e

necessidades e, ainda, possibilitar o desenvolvimento de habilidades profissionais, com

vistas a contribuir para uma futura geração de renda e à superação das limitações sociais

impostas a pessoas em situação de vulnerabilidade social. Para isso, valoriza os talentos de

pessoas da comunidade que colaboram como oficineiros, estimula a participação da

comunidade nas atividades realizadas nos finais de semana e mantém aberta a possibilidade

de que professores regulares da escola participem das oficinas, vivenciando a informalidade.educativa que se pretende seja propícia à criatividade, à alegria, à expressão cultural dos

jovens participantes e à socialização em momentos de lazer e esporte

As oficinas se constituem, então, espaços de inclusão dos interesses, necessidades e

linguagens das juventudes, bem como de acolhimento às diversas formas de expressão

cultural, momentos propícios ao exercício de democracia, por meio da aprendizagem de

como administrar as diferenças nas relações interpessoais e oportunidades para o exercício

da solidariedade do respeito aos limites entre os próprios direitos e os alheios.

Vinculados estreitamente a esses eixos e a partir da proposta de transversalidade,

propõem-se os seguintes princípios a serem observados no planejamento das oficinas e nas

abordagens dos seus conteúdos:

_ Solidariedade (ética da cooperação)

_ Respeito à diversidade: cultural, étnica, lingüística, religiosa, de orientação sexual,

de classe social

_ O trabalho como meio de transformação do homem e da sociedade

_ Preservação do meio ambiente (patrimônio natural e construído)

_ Autonomia

A abordagem transversal dos princípios sugeridos pressupõe que é possível

estabelecer uma relação entre as questões da vida real e os conhecimentos específicos

sistematizados, pois os temas transversais trazem para a aprendizagem um sentido social ao

tratar da relação com os outros indivíduos. Além disso, trazem a vantagem de não requerer

dos oficineiros que interrompam as oficinas para a sua abordagem, pois ao se tratar, por

exemplo, das técnicas de panificação ou de uma coreografia é possível dialogar sobre

cooperação, respeito, ética, entre outras questões.

Não se trata de impor aos participantes das oficinas valores escolhidos por aqueles

que planejam as atividades, mas de promover uma discussão e estimular a escolha pessoal

fundada em reflexão sobre as opções de comportamento, enfrentando a discriminação e o

preconceito.

Os princípios sugeridos estão abaixo explicitados em sua pertinência às

características e objetivos do programa:

Autonomia:

A questão da autonomia do ser humano não pode ser entendida sem que se considere

o contexto sócio-cultural em que ele vive, o que impõe limitações à sua livre ação,

condicionando-a às circunstâncias históricas, religiosas, culturais e econômicas. Existe,

entretanto, uma margem de atuação em que o ser humano faz uso da vontade, da consciência

e da intenção.

Nesse sentido, o indivíduo é capaz de reinterpretar a sua cultura, de recriá-la com

base em um raciocínio comparativo entre a sua e as demais culturas existentes. Além disso,

apesar de ser social, o indivíduo tem a sua trajetória particular de vida ao longo da qual

desenvolve os processos psicológicos que lhe possibilitam construir significados e utilizar os

dados da sua cultura como instrumentos para pensar o mundo e nele agir.

Dessa forma, a autonomia, que pode ser intelectual e moral, manifesta-se, por

exemplo, quando o indivíduo é capaz de refletir de forma madura sobre uma questão e agir

de maneira contrária às tradições da sua sociedade..Esse amadurecimento é estimulado por uma educação que não se fundamente em

relações autoritárias, mas que, ao contrário, permita a livre discussão de pontos de vista, a

expressão da discordância, para que o indivíduo possa reestruturar seu sistema por meio do

contato com a diversidade de informações encontradas em seu meio social e físico.

O Programa Escola Aberta colabora para a construção dessa autonomia ao estimular

que a escola seja lugar de confluência das expressões culturais da comunidade, ao promover

nesse espaço a discussão sobre temas da atualidade pertinentes à vida da comunidade e ao

possibilitar a convivência em atividades de lazer e esporte. Além disso, as oficinas de

formação inicial, qualificando os participantes para o exercício de um trabalho, apesar de

não resolverem os problemas estruturais da sociedade relacionados ao desemprego,

contribuem para a construção de um sentimento de auto-estima pela possibilidade de

desempenho de uma atividade profissional.

Solidariedade (ética da cooperação):

A questão da solidariedade passa pela adoção de uma forma cooperativa de

convivência e deriva da autonomia. O indivíduo autônomo é aquele capaz de conviver com

diferentes pontos de vista existentes na sociedade e, mesmo assim, situar-se de maneira

consciente e independente nesse contexto, agindo de maneira a colaborar para o bem

comum. Para compreender esse conceito é necessário que se esclareça a diferença daquilo

que a teoria piagetiana denomina relação de coação e relação de cooperação.

Para estimular relações de cooperação é necessário que a educação se fundamente no

cultivo do respeito mútuo, na liberdade de expressão de pontos de vista, na construção

coletiva das regras e na escolha racional das próprias ações. Dessa forma contribui-se para a

formação de cidadãos que não se restrinjam a obedecer às regras e agir como a maioria, sem

refletir criticamente sobre os próprios valores e atos e sobre os do seu ambiente social, mas

que se posicionem de maneira responsável frente às situações que desafiam sua capacidade

de decisão.

A ética da solidariedade enfatiza o caráter comunitário e coletivo do processo

educacional. A abertura das escolas aos finais de semana para receber pessoas da

comunidade que irão participar de diversas atividades constitui-se, por si só, um exercício de

democracia, de acolhimento das diferenças. Um ambiente organizado nessas bases propicia

aos jovens e demais participantes das oficinas a oportunidade de dizerem o que pensam

sobre questões relacionadas ao seu cotidiano e de receberem com flexibilidade as

observações do grupo. Isso só é possível se ele sentir que é valorizado e respeitado como

indivíduo, que a escola que se abre para recebê-lo é o local em que a cooperação e o diálogo

são utilizados como instrumentos da democracia.

O trabalho como meio de transformação do homem e da sociedade:.Ter um trabalho tornou-se, na sociedade moderna, fonte de auto-estima,

desenvolvimento ético, cognitivo e de socialização do indivíduo. A ausência de emprego

e a impossibilidade de manter a si e a própria família podem gerar um sentimento de

desvalorização que afeta negativamente a maneira como os indivíduos vêem a si

mesmos e aqueles com os quais convivem.

No atual contexto nacional, como reflexo do cenário de mundo industrialmente

desenvolvido e globalizado, não há trabalho para todos, o que exclui um enorme número

de famílias do acesso à maioria dos bens e serviços existentes na sociedade. Muitos

daqueles que encontram trabalho são de tal forma mal remunerados que permanecem

em situação bem próxima à daqueles que experimentam o desemprego. Os jovens filhos

das famílias das classes populares, sem acesso ao mínimo para uma vida digna, muitas

vezes adotam comportamentos violentos como forma de resposta à agressão de que se

sentem alvo.

O Programa Escola Aberta, sem a pretensão de resolver o problema do desemprego

que se origina de problemas econômicos estruturais da nossa sociedade, busca contribuir

para o fortalecimento da auto-estima dos moradores das comunidades em que se

encontram as escolas participantes, oferecendo, por meio de cursos de formação inicial,

a oportunidade de aprendizagem de um trabalho. Essa possibilidade significa, para

muitas pessoas, uma forma de complementar a renda familiar e de sentir-se capaz de

melhorar a própria situação de vida. Assim, as pessoas da comunidade têm a

oportunidade de aprender uma atividade profissional com outros moradores locais que

disponibilizam suas habilidades, o que favorece também a aproximação entre pessoas

interessadas em uma mesma atividade para a criação de grupos de trabalho.

Conclui-se que a comunidade será beneficiada pelos seguintes resultados: melhora da

auto-estima de indivíduos que antes se sentiam sem valor profissional, oferta de mais

serviços, além da redução do tempo livre investido em atitudes prejudiciais ao

patrimônio e ao bem-estar coletivo.

Respeito à diversidade: cultural, étnica, lingüística, religiosa, de orientação

sexual, de classe social:

Uma educação que se fundamente em ideais democráticos deve oferecer

possibilidade de convergência das diferenças, criando um ambiente em que a tolerância

e o diálogo estejam presentes ao lado do respeito à expressão das diferenças de

identidade. A compreensão de tais diferenças como resultados de uma construção

histórica que se dá nas relações sociais e políticas e de padrões culturais instituídos pelos

grupos humanos como argumento para dominação do outro, permite a convivência com

outro a partir de uma atitude mais inclusiva.

A escola é um espaço de convivência dos diferentes e, por isso mesmo, propícia à

abordagem das questões motivadoras de conflitos. Nesse sentido, o Programa Escola

Aberta, ao oferecer oficinas variadas para as pessoas da comunidade independentemente

da faixa etária, abriga uma gama de heterogeneidade que não pode ser ignorada e que

deve ser transformada em vantagem para a coletividade.

O que aqui se propõe não é transformar uma oficina de corte de cabelo, por

exemplo, em momento de discussão sobre o respeito à diversidade, perdendo-se o foco

no objetivo da atividade. Entretanto, é possível chamar a atenção dos participantes para a

necessidade de respeito à diversidade de orientação sexual caso um homossexual deseje

participar e a turma se comporte de forma discriminatória..As atividades do programa, portanto, são ricas de oportunidades para que se reflita

sobre a qualidade da relação que cada um estabelece com o outro. Dessa forma a

comunidade pode ser beneficiada pela aprendizagem de formas mais pacíficas, mais

democráticas e inclusivas de convivência, a partir do rompimento com preconceitos e da

reflexão sobre os valores adotados como padrões._

___

Preservação do meio ambiente (patrimônio natural e construído):

O conceito de meio ambiente, durante muito tempo, esteve relacionado apenas ao

que se convencionou chamar meio “natural”, ou seja, aos animais, plantas, mares e

florestas, entre outros. Atualmente já se compreende que as áreas urbanas e os seres

humanos também são integrantes do meio ambiente.

A concepção dicotômica entre ser humano e meio ambiente produz uma atitude de

exploração dos recursos naturais com vistas à promoção do que se convencionou

denominar desenvolvimento. Os modelos científico e econômico preponderantes

preconizam a dominação da natureza pelo homem e, ao longo da história, sedimentaram

uma visão antropocêntrica da educação, ou seja, a idéia de que o homem deve dominar a

natureza para libertar a si mesmo e para aprimorar a ciência e a técnica úteis à sua

sobrevivência. Nesse cenário, o ser humano é considerado o centro de tudo e todas as

outras formas de vida existem em função dele, para possibilitar o aprimoramento da

técnica e da ciência úteis à sua sobrevivência.

Conforme o economista Henri Acselrad (2000), “a degradação do meio ambiente é,

via de regra, um processo de destruição de modos de vida e do direito à diversidade

cultural de relacionamento das comunidades com a natureza”. Essa degradação resulta

da exploração indiscriminada dos recursos decorrente do desenvolvimento industrial,

mas também da ação violenta de indivíduos contra o patrimônio público natural e

construído. Essa ação resulta, muitas vezes, do sentimento de estar excluído do acesso

aos benefícios sociais.

A questão ambiental refere-se à maneira como se dá a relação entre a sociedade e a

natureza em seu sentido mais amplo, o que inclui a relação entre os seres humanos.

Uma ação educativa com foco na preservação ambiental é aquela que busca, mais

que promover o uso racional dos recursos naturais, promover uma mudança de valores,

uma visão mais solidária de mundo fundada numa forma responsável de interagir com

todas as formas de vida existente a partir do reconhecimento da interdependência que há

entre elas. Como conseqüência, deixa-se de educar para a competitividade a partir da

percepção de que todos somos frutos da natureza sobre a qual erigimos a sociedade e

que abandonamos como recurso já explorado que deve se reconstituir sozinho, depois de

conquistarmos o conforto da tecnologia que facilita nossos processos de comunicação e

nossa sobrevivência. Nesse modo de pensar a relação com o meio ambiente, promove-se

a leitura crítica do contexto social que nos incentiva ao consumo abundante e

inconseqüente, ao invés de nos estimular ao cultivo de atitudes de reutilização,

restauração e reciclagem dos bens que criamos a partir dos recursos naturais.

Assim, o sentido da adoção desse princípio pelo Programa Escola Aberta reside nos

seguintes aspectos:

1. A proposta do programa estabelece uma relação de pertencimento entre escola e

comunidade, o que estimula uma atitude de cuidado em relação ao patrimônio coletivo

que é o espaço físico da escola, reduzindo as atitudes de depredação..2. As oficinas de formação inicial para o trabalho são excelentes oportunidades de

discussão sobre como a ação profissional consciente pode evitar danos ao patrimônio

natural e ao construído, colaborando para a preservação da qualidade de vida, uma vez

que as condições do ambiente influenciam as condições de trabalho dos grupos

humanos.

3. As demais oficinas também oferecem oportunidade para uma tomada de

consciência da forma como se dá o relacionamento das pessoas entre si e com o

ambiente.

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